sexta-feira, 6 de março de 2009

O Herói Anônimo

Trabalho como segurança dentro de lotações de uma empresa de Porto Alegre. Sou uma pessoa justa, honesta e que sempre busca cumprir seus deveres. Ando a todo momento com uma pistola escondida na minha cintura – faz parte do meu serviço -, mas apesar de ser extremamente treinado para usá-la, nunca havia precisado puxar o gatilho numa situação real. Pelo menos não até aquela noite, aquela maldita noite. Meu nome? Prefiro não revelar agora.
Aquela era mais uma noite normal de trabalho em que eu fazia a segurança da minha última lotação, a qual me deixaria perto da minha casa por volta das 21h30min. Estava ansioso para finalmente ver o meu filho no dia do seu aniversário e lhe entregar o presente que eu lhe prometera: o boneco do Capitão Nascimento, aquele que faz sucesso matando bandidos no filme “Tropa de Elite”. Sei que o personagem não é um exemplo em suas atitudes, mas meu garoto era fã e eu esperava ver um sorriso enorme em seu rosto quando abrisse o embrulho.
Durante o percurso, dois rapazes suspeitos subiram no pequeno ônibus. Pode até parecer preconceito, mas eu sempre fico em alerta quando pessoas que não parecem ter condições de pagar por um transporte mais caro o utilizam – e aposto que vocês também são assim. Os dois jovens se olhavam de uma forma estranha; pareciam nervosos. Minha desconfiança foi aumentando, mas já haviam passado 10 minutos desde que a dupla entrara na lotação e tudo estava dentro da normalidade. Talvez fosse mais um dos incontáveis “alarmes falsos”, mais um dos meus preconceitos bobos. É, poderia ser só isso. Tinha que ser! Não era.
Quando os suspeitos levantaram mostrando suas armas de fogo e gritando “é um assalto, passem tudo!” eu percebi que daquela vez era pra valer. Minha adrenalina subiu, milhões de coisas passaram pela minha cabeça em um espaço curtíssimo de tempo. Lembrei-me da promessa feita por mim quando contratado: eu tinha o dever de sempre proteger os funcionários e os passageiros da empresa. E foi nesta promessa em que procurei me concentrar.
Estavam todos apavorados e eu apenas esperava uma oportunidade para utilizar minha pistola. Ela veio quando os bandidos desviaram seus olhares das proximidades em que eu estava sentado. Sem pensar duas vezes, levantei-me e saquei minha Taurus PT58S. Foram os 3 segundos mais longos da minha vida. Pensei na minha promessa, no meu treinamento, no meu filho, na minha esposa... Tinha vontade de gritar, de correr, de acordar daquele pesadelo. Não escutava mais nada. Mas meu profissionalismo falou mais alto; mantive o sangue frio e puxei o gatilho... “Pá! Pá!” – dois tiros, dois assaltantes mortos. Foram somente dois tiros, mas minha vontade era de atirar até acabar o cartucho. Não por maldade e sim pelo medo, pelo susto, pela adrenalina que naquela hora comandava meu organismo. Eu parecia possuído por um espírito muito forte, maligno até. Tudo isso em 3 segundos, não mais que isso.
Após os disparos eu ainda coloquei os corpos das minhas vítimas para fora do microônibus a chutes e pedi para o motorista seguir dirigindo pela rota programada – eu tinha que ver o meu filho, eu dei minha palavra! – e foi o que fiz. Entretanto, não saí da lotação antes de pedir aos passageiros que não me entregassem à polícia, mesmo sabendo que muito provavelmente eu seria inocentado. Optei por continuar anônimo.
Até hoje, passado um mês do ocorrido, não consigo dormir tranqüilamente. Tenho muito medo de que aquele espírito assuma o meu controle novamente, luto para esquecê-lo. Além disso, a ficha do que ocorreu naquele ônibus ainda não caiu, aquilo tudo não parece ter sido real. Eu matei duas pessoas??? Não pode ser, no máximo eu matei dois bandidos... Isso, foram dois bandidos, dois maus elementos da sociedade. No entanto, eu não quero ser reconhecido por isso, não quero ser outro Capitão Nascimento. Quero apenas continuar sendo uma pessoa justa, honesta e que sempre busca cumprir seus deveres. Meu nome? Infelizmente, não posso nem desejo mais revelar a vocês.

Autor: Rodrigo Santiago Strassburger - Estudante de Ciências Contábeis

Um comentário:

  1. Obrigado por lembrar do meu texto, sorinha! Fico realmente lisonjeado!!!

    E este teu blog é um ótimo projeto. Parabéns!!

    Beijão!

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