segunda-feira, 18 de maio de 2009

O dia D

Era uma noite de inverno em Porto Alegre, Merola – rapaz sério de dezenove anos, que cursava seu sexto semestre em engenharia na UFRGS – havia recém-saído de uma prova de física 2, o que tinha lhe deixado completamente exausto. Chegando em casa, ele tomou o todinho quente de sempre, saudou seus pais e subiu para o seu quarto. Merola estava notoriamente abatido, pois além de ser um gremista praticante, ele tinha a ilusão que o grêmio poderia ter ganhado o grenal do dia anterior, mas não foi o que havia ocorrido. Deixando de lado a desilusão com aquilo que ele chamava de time, Merola não conseguia pensar em mais nada a não ser entrar no Messenger e conversar melosamente com sua namorada Júlia. Mas, quando ele finalmente conseguiu fazer sua internet funcionar, para seu total desespero, sua namorada não estava on-line.

Merola entrou em pânico. Mais do que depressa, ele pegou seu celular e ligou para sua namorada, pois queria entender o porquê de ela não estar on no MSN na “boca da noite”, que era um quase que ritual do então jovem casal. O telefone de sua amada estava dando ocupado – que situação! Por um breve momento, ele sentiu uma incômoda emoção, a qual ele nunca havia desfrutado antes. Era uma inquietação misturada com uma dúvida e temperada com um pouco de ciúme. Racional da forma que é, Merola até mesmo parou para analisar a estranha emoção, mas logo se frustrou porque lembrou-se que emoções não são lógicas e não acabou chegando a conclusão alguma.

— “Olha a pamonha! Olha o curau! Vai pamonha? Vai curau?” – era o toque do celular de Merola que o chamava.
— Alô! Atendeu Merola.
— Oieee! 99 reais, benzinho! (99 reais era o apelido carinhoso que havia recebido de sua namorada no primeiro dia em que fizeram amor).
— Oi, amor, tudo bem?! Eu já estava despertando um desagradável sentimento de curiosidade a respeito do seu não comparecimento no Messenger como de costume! – Completou Merola – que, a propósito, nunca havia entendido direito o tal apelido que Júlia tinha lhe dado.
— Bahhh! Já te explico! É que meu computador tá dando “tela azul” quando eu ligo! Será que tu poderias aparecer aqui em casa para arrumar ele, pleeeease? Falou novamente Júlia, exibindo aquele característico jeito meloso feminino de manipular a situação a seu favor, através de mudanças na entonação da voz, colocando-se meio de vítima.
— Dê-me trinta minutinhos que eu apareço por aí! Finalizou o namorado; um pouco mais tranqüilo depois da conversa.

Passava das 8 da noite, mas Merola estava decidido a resolver o ilustre problema de sua parceira. Ele adquiriu permissão de seus pais, foi até a garagem, pegou sua bicicleta e pedalou até o lar de sua amada. Chegando lá, o mesmo problema de sempre, aquele minúsculo cachorrinho absurdamente chato e irritante. Aquela peste não parava de latir um minuto. Merola odiava aquele pinscher que Júlia levava para todo o lado. Ela o chamava de “o pequenino Führer” – um infeliz, mas sugestivo nome que Merola sempre tinha dificuldades em pronunciar. Por causa disso, ele chamava o pequeno pinscher simplesmente de “cãozinho”.

Júlia – jovem moça morena que cursava engenharia de alimentos na UFRGS e morava com a irmã em um apartamento a poucas quadras da casa de Merola – pegou o pequeno Führer no colo e levou o rapaz até seu quarto, onde ficava o computador. Assim que entrou no quarto de Júlia, o jovem – que de bobo só tinha o fato de ser gremista – notou logo a bela oportunidade de dar uns bons “amassos” com sua namorada no próprio reservo do quarto dela; o único empecilho para seu plano era o maldito Führer.

Após dar uma breve analisada no computador, Merola já havia sacado o diagnóstico e o respectivo tratamento para o tal defeito, mas não falou e nem fez nada, porque agora o objetivo era se livrar temporariamente do Führer, e ele já sabia como iria fazer isso.

— Júlia! O problema aqui é de vida ou morte! É bem possível que, se eu demorar um pouco mais para agir, o computador acabe auto-queimando a própria placa mãe! Inventou Merola, com o único objetivo de criar um pouco de pânico na situação.
— O que eu devo fazer? Respondeu Júlia, um pouco agitada com a declaração do ilustre namorado.
— Enquanto eu vou preparando o local de trabalho, você pega a chave philips que eu trouxe; ela está dentro da minha pochete que ficou lá junto da minha bicicleta! Continuou Merola, mantendo a cena com perfeição.

Júlia – acreditando fielmente na mentira de seu namorado – esqueceu momentaneamente de seu cãozinho e desceu depressa até a garagem do prédio para pegar a ferramenta que estava junto à bicicleta de seu amado; tempo mais do que suficiente para Merola “tocar” o pequeno Führer para dentro do armário do quarto da irmã de Júlia – a qual estava dormindo na casa dos pais em Lajeado – e fechar maldosamente o cachorrinho lá.
Quando ela voltou com a ferramenta, Merola falou pra ela que havia cometido um engano, que a chave já não era mais necessária e disse que a máquina já estava funcionando, pois era um simples problema de BIOS. Antes que Júlia sentisse falta do pequeno Führer, Merola já estava abraçando-a de luz apagada.

Depois de umas horas de amassos, Merola se despediu, disse que estava tarde, pegou sua bicicleta e voltou para casa; pois seus pais já estavam começando a ligar para ele preocupados com a demora do querido filho. Ao chegar em casa, Merola se desculpou com os velhos e subiu rapidamente para seu quarto. Abriu seu diário e começou a escrever:

“Querido diário!

Embora eu tenha levado um ferro danado em física 2 novamente, hoje foi um bom dia. Tomei meu todinho com vodka, fiz amor com minha namorada e de quebra forneci um dia D inesquecível para o Führer. Boa noite.”

Glossário de expressões da história:

Física 2: cadeira obrigatória do segundo semestre em todas as engenharias da UFRGS. A grande parte dos alunos que cursam engenharia definitivamente adora tal matéria de tal forma que é comum fazerem ela uma, duas, três ou até mesmo quatro vezes durante o curso.

Führer: deriva do verbo führen “para conduzir”. Embora a palavra permaneça comum no alemão, esse vocábulo está tradicionalmente associado à Adolf Hitler, que a usou para se designar líder supremo da Alemanha Nazista.

Dia D: O dia mais famoso da história militar mundial - 6 de Junho de 1944 - o dia em que a Batalha da Normandia começou - iniciando a libertação do continente Europeu da ocupação Nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

99 reais: Quase 100 reais, ou, o vulgo, quase 100 pau.

Autores: Franco Mattana e Mateus Barth - Estudantes de Engenharia de Produção (UFRGS)

Entrevista de emprego

Dei um beijo em minha mulher, que ainda permanecia dormindo. Fui até o quarto dos meus filhos. Chris já tinha acordado, mas ainda permanecia na cama. Maggie dormia como um anjo.
-Bom dia, filho - disse baixinho para Chris.
-Bom dia, pai. - respondeu com um bocejo.
-Te amo - completei.
Beijei-lhe o rosto. Contemplei Maggie por alguns minutos enquanto meu filho ia ao banheiro.
-Te amo, linda- sussurrei ao ouvido dela.
Beijei sua testa, voltei para meu quarto.
Estava consternado, a situação era complicada e com a crise da bolsa... Não estava fácil. Perdi meu emprego havia seis meses. Não conseguia outro. Eu sabia o que era.
-Amor.
Mas isso iria acabar, eu daria a mensagem.
-Amor.
Seria hoje.
-Amor! - gritou minha mulher, agora acordada, ainda na cama.
-Ãh, o que foi? – perguntei ainda meio pensativo.
-Não me ouve mais?
-Claro que ouço.
-Pois não parece. - falou um pouco chateada.
-Me desculpe.
-Só queria te desejar boa sorte na entrevista de hoje. Não precisa pedir desculpas. - disse me dando um sorrisinho.
Sorri amavelmente. Olhei-a nos olhos, pisquei para ela. Então me virei e fui em direção a porta do quarto:
-Preciso sim. - sussurrei para que ela não ouvisse.

Fui à cozinha, peguei um papel e uma caneta e escrevi algo de que não recordo.

Fritei dois bacons e dois ovos, coloquei-os em um prato e comi. Para acompanhar tomei um suco de laranja.
Cheguei ao local da entrevista de hoje, a Associação Cívica Americana, não seria mais uma entrevista cotidiana. Não desta vez. Entrei, soltei uma expressiva gargalhada. Todos que estavam ao redor olharam com espanto. Eu mostro pra vocês! Esses malditos latinos, árabes, estrangeiros ladrões de empregos. A entrevista começara:
- Estão gostando, gostam da América? - gritava parecendo um lunático.
Esse louco se apoderou de mim. Não era mais eu. Não recordo mais de nada. Tudo se apagou. Até... Ver minha cabeça estourada. Estava morto, rodeado por mais treze corpos. Eu e mais treze. Em uma sexta-feira. Sexta-feira treze. Engraçado.
Voltei para casa. Minha mulher chorando. Agora eu olhava as coisas de cima.
E no papel estava escrito:
-Estou levando minha arma para acabar com a praga desse país, para que talvez meus filhos consigam o que não mais consegui. Um emprego. Me desculpe.

Autor: Pedro Henrique Piussi Bitencourt (Estudante de Engenharia de Produção)

sábado, 16 de maio de 2009

Um anjo morto!

Ivonete tinha acordado mais cedo naquela manhã. Não conseguiu dormir bem à noite. Teve pesadelos, mas não se lembrava direito do que sonhara. Eram recém 6h15min, mas ela resolveu levantar e se preparar para mais um longo dia de trabalho.

Tomou banho e em seguida foi preparar o café. Comeu. Foi organizar o quarto. Nossa, já são sete e meia, vou perder o ônibus, pensou ela. Antes de sair, porém, foi ver o filho, Altair, que ainda estava dormindo. Acordou-o.
- Filho, você está bem? Hum, acho que não está mais com febre, mas é melhor você não ir à escola hoje.
- Tá bem, mãe. Eu vou dormir, ainda tô com sono.

Ivonete saiu às pressas de casa, provavelmente perderia o ônibus. Teve tanta pressa que se esqueceu de trancar a porta da casa, geralmente era Altair quem fazia isso quando ia à escola.
Depois de um exaustivo dia trabalhando, ela passou em uma loja que vendia jogos de videogame. Eu quero esse aqui – disse ao vendedor, apontando um dos jogos que estava na prateleira. Era um presente para o filho, que no dia seguinte completaria 12 anos.

Chegou perto de casa. Havia policiais e algumas pessoas que ela ainda não identificava. Estavam conversando. Luana, sua vizinha, caminhava rapidamente em sua direção, estava quase correndo.
- O que aconteceu? perguntou Ivonete
- Você precisa ser forte, disse ela chorando.

No mesmo instante, Ivonete correu, entrou em casa, seu coração parecia sair pela boca. Tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Estava em choque. Altair, deitado no sofá, estava morto!

Eram 10 horas da manhã quando o menino levantou. Estava com fome. Colocou o leite no copo e foi assistir televisão. De repente entraram dois homens na casa. Um deles era seu pai, que ele não via fazia quatro anos. Pai?! O que você está fazendo aqui? – antes que ele respondesse, começou a imaginar que seu pai havia sentido sua falta e por isso resolveu visitá-lo na véspera de seu aniversário. Será que ele lembrou? – pensava, quando foi interrompido pela fala do outro sujeito: Tu não disse que não ia ter ninguém em casa!!

Rodrigo, o pai de Altair, era usuário de drogas. Tentou parar algumas vezes, mas não conseguiu. Certa vez desentendeu-se com um traficante, desde então saiu de casa para não colocar a família em risco. Agora havia voltado e precisava de dinheiro para pagar sua última compra de heroína. O pai só veio pegar algumas coisas. Fica aí quietinho. Rodrigo parecia nervoso, seus olhos estavam vermelhos e inchados.
- Eu vou levar a TV também, talvez de pra vendê – disse o sujeito.
- Pai você não pode deixar ele fazer isso! – gritava Altair, que aos poucos começava a entender o que estava acontecendo.
- Fica sentado aí – disse o sujeito empurrando o menino para o sofá. – Faz o teu filho se acalmar se não eu vou acabar com ele.
- Filho, fica quieto. Depois a gente conversa. – Rodrigo já estava tremendo e Altair continuava falando e cada vez mais alto.

O sujeito, já irritado, sacou a arma e num impulso atirou. Pegou no braço do menino. Agora ele começava a chorar. Rodrigo em pânico saiu correndo e desapareceu. O sujeito também assustado e sem hesitar segurou Altair e tapou seu rosto com uma almofada até ele parar de gritar... e de respirar. Alguns vizinhos, atordoados, entraram na casa. Não havia mais ninguém, a não ser um anjinho deitado no sofá. Um anjo morto!

Autora: Karoline dos Santos Batista (estudantes de Ciências Contábeis)