terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ocaso – um réquiem quentinho

O caso é que conheci um menino que tem os cabelos de sol poente – bem alaranjadinhos. Aconteceu de ele me falar, embaixo das árvores outônicas, enquanto estávamos sentados em um murinho todo respingado de sol, que “quem já morreu fica num lugar quentinho que a gente não vê, cuidando de quem ainda não morreu”. Assim, citando Caio Fernando Abreu, ele me fez lembrar a Margarete.

A Marga passou comigo o domingo dos meus vinte e sete outonos. Eu gostava muito do seu nariz, parecia um nariz de bruxinha, mas ela não gostava, então foi lá e estragou, deixando ele retinho; eu fiquei triste, mas feliz porque ela gostava mais assim. Domingo indo-se, veio a despedida: nos abraçamos, mas não tão forte. No final do mês que vinha passaríamos mais um domingo juntas, o dos seus vinte e nove outonos e, assim, mais muitos anos de vida e eu reclamaria, mesmo em silêncio, o nariz e me conformaria quando ela dissesse que preferia o novo. Se os amigos são felizes, a gente também é.

Eu não moro mais tão perto, também não tão longe, mas não quis ir ao velório. Continuei aqui e guardei para sempre na memória nossa última tarde de domingo e tantos outros momentos mágicos. Fiquei eu e os álbuns com nossas fotos da época em que a Marguinha ainda tinha seu nariz de bruxinha, mas também as últimas duas tiradas no meu aniversário; aquele abraço não tão apertado foi nosso adeus. Alguém que não sabia de sua mágica de viver privou todos que a amavam de sua presença, de seu sorriso que fazia nascer o sol.

A Marga dizia: “O que seria da vida sem amigos?” E essa era sua mágica, ela pode ter tirado o nariz, mas está lá no seu lugar quentinho, cuidando da gente que ela enfeitiçou com sua poção da amizade. O sol se pôs e ela pegou carona na sua carruagem e foi um menino com cabelos cor de sol poente que, ainda citando Caio, disse: “E se você quiser agradar a essa pessoa, é só fazer coisas que ela gostava. Aí ela fica ainda mais quentinha e cuida ainda melhor da gente.”
A Marga não fez vinte e nove outonos, mas agora ela nasce todos os dias com o sol que é muito quentinho. Lembrar dela é continuar vivendo a sua mensagem, ouvir o menino que há pouco conheci e me perguntar profundamente: “O que seria da vida sem amigos?”

Velei minha dor no dia de seu enterro, entre as fotografias e as linhas do meu diário, com esse pequeno poema:

Doce Marga.
Amarga dor.
Amarga foi – a partida quando – A Marga foi.
Marga ter o amargo adeus amarrado na garganta como um cão em sua corrente
louco para sair derrubado muros e portões
e com muitas lágrimas salgadas
dizer que: Ah Marga! Amarga é a vida sem você.


Autora: Joyce Kwiatkowski - estudante de Letras (UFRGS)

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