terça-feira, 14 de julho de 2009

Aquela noite...

...foi mais uma noite abafada no verão de Manaus. O céu estava encoberto por uma densa camada de nuvens que parecia colocada ali de propósito, como que para esconder as estrelas. O clima úmido também não ajudava. Após um dia de sol forte e temperatura alta, o temporal que caiu ao fim da tarde não amenizou em nada o ar sufocante que pairava sobre a cidade.

Naquela noite, como de costume, eu e minha namorada Jéssica fomos ao cinema da rua Cristo Rei, na sessão promocional das 22 horas. A história que quero contar aconteceu na volta do encontro, logo após eu ter deixado a Jéssica no portão de casa. A rua na qual ela mora é escura e cheia de terrenos vazios, e eu adoro voltar caminhando de lá. É bom para colocar os pensamentos em ordem. Eu mal havia riscado um fósforo e o estava aproximando do cigarro que pendia na minha boca, quando algo estranho no céu desviou a minha atenção.

Algumas dezenas de metros a minha frente, as nuvens se abriram lentamente, em um formato quase circular, dando passagem a uma luz fraca e roxa. Aos poucos, pude distinguir uma forma. Por trabalhar durante o dia como transportador de cargas no Aeroporto Eduardo Gomes, posso dizer que conheço todos os modelos de aeronaves que transitam pela região. Igual àquela, entretanto, eu nunca havia visto. O objeto era parecido com um Zeppelin achatado e possuía asas, uma em cada lateral, como as de um avião comum. A carcaça era feita de um metal esverdeado e parcialmente coberto por manchas escuras, o que lhe dava um aspecto “vivo”. Em cada uma das asas e também nas partes dianteira e traseira do corpo da nave havia uma espécie de turbina, posicionada na vertical. Era dessas turbinas que a luz roxa emanava, ficando mais fraca à medida que o contato com o solo se tornava mais iminente.

Fui desperto do estado de paralisia, no qual me encontrava, por uma forte dor em minha mão direita: o fósforo que eu havia riscado queimara até próximo do fim, e sua chama já atingia meus dedos. Sacudi a mão com violência, como se isso fosse aliviar a dor, e voltei a olhar para o céu. A nave, porém, havia descido até quase tocar a vegetação de um terreno abandonado, cerca de 20 metros a minha frente. A luz de um poste próximo brilhou forte por alguns instantes e depois se apagou com o estouro da lâmpada, deixando completamente nas sombras a região na qual o objeto pousara.

Um holofote de luz forte e branca se acendeu na nave, cegando meus olhos. Imediatamente levantei o braço e tentei proteger minha visão com a mão. Um som de ar comprimido sendo liberado se seguiu e, acompanhado do ranger de engrenagens. Apesar de não enxergar nada, tive a certeza de que uma porta se abrira. Quando o barulho cessou, pude escutar duas ou mais vozes bem agudas conversando em algum idioma indistinguível.

O silêncio da noite, que até então permitia que eu ouvisse as vozes, foi interrompido pelo ruído de muitos motores. E os motores estavam se aproximando rapidamente pelas minhas costas. Virei-me para ver o que se aproximava e vi três ou quatro pick-ups negras chegarem a alguns metros de onde eu estava e estacionarem. Quatro homens com uniformes do exército desceram de cada carro. Também chegaram dois Jeeps grandes, com algum tipo de metralhadora ou outra arma pesada sobre suas caçambas.

De um alto-falante em um dos carros, uma voz pediu que a nave desligasse o holofote e se identificasse imediatamente. Tudo o que se ouvia então era o ronco dos motores dos Jeeps, que ainda estavam ligados. Com um gesto, um dos homens ordenou que os motores fossem desligados, o que acoteceu imediatamente. Identifique-se agora, ou seremos obrigados a abrir fogo, Disse mais uma vez a voz ao alto-falante. Como não houve resposta, o homem que até então estava dando as ordens selecionou quatro outros homens para irem até a nave. Eles foram.

Achei que era hora de me aproximar do comandante da operação e reportar tudo o que vi. Vá para casa, garoto, Foi a resposta que obtive dele antes mesmo que eu pudesse terminar de falar, Você não sabe com o que está lidando. Eu estava começando a argumentar quando a atenção de todos, inclusive a minha, se voltou para o som de tiros e gritos que vinham da nave. Alguns segundos depois, tudo era silêncio novamente. Em meio à toda aquela luz, a silhueta de um homem podia ser vista. Um dos quatro homens que haviam sido mandados até a nave estava retornando. Ele estava mancando, seriamente ferido e com a roupa rasgada e cheia de sangue. Atirem, acabem com esses desgraçados, Ele disse com raiva, antes de cair com o rosto no chão.

Nesse momento, os holofotes se apagaram, revelando os corpos dos outros três homens caídos, um pouco mais à frente. Na distância entre os corpos e a nave, cinco criaturas humanóides, com aproximandamente dois metros de altura, pernas finas e olhos negros e redondos, estavam nos observando atentamente. Quatro empunhavam em sua mão direita uma espécie de disco de metal dentado, como o do uma serra circular. O quinto segurava uma estranha arma, do tipo que se vê em filmes de ficção científica.

Atirem, atirem, seus idiotas!, Gritou o comandante ao meu lado, e os homens que operavam as armas no Jeeps abriram fogo. Os tiros, entretanto, pareciam perder sua força à medida que se aproximavam do alvo, caindo inofensivamente aos pés dos extraterrestres. Quando os disparos cessaram, a criatura que empunhava a arma gritou e todos os outros lançaram seus discos. Destes, três atingiram soldados próximos à mim e retornaram as mãos de seus donos. O quarto disco teria me decepado se o comandante não houvesse me empurrado na hora certa. Caí no chão e, assustado, me arrastei até atrás da pickup, onde sentei com as costas no pára-choques, tremendo. Então, mais tiros foram disparados.

Não consigo precisar quanto tempo fiquei ali sentado, ouvindo tiros, gritos e o zumbido daqueles discos voando. Aos poucos, porém, o silêncio foi tomando conta da noite novamente e, quando não havia mais qualquer som, achei que era seguro sair do meu esconderijo. Levantei-me e dei a volta no carro. A primeira coisa que vi foi o corpo do comandante estendido no chão. Ele ainda segurava uma metralhadora, e o pavor estampado em seu rosto permanecia. Abaixei-me, peguei a arma de suas mãos e a segurei desajeitadamente, apontando para a frente.

Quando avancei alguns metros em direção à nave, pude ver os corpos mutilados dos outros soldados. Mais adiante, vi também os corpos de quatro alienígenas. Com muito cuidado, me aproximei das criaturas, a fim de dar uma boa olhada em seus corpos. De repente, o extraterrestre que estava caído a minha esquerda soltou uma espécie de uivo e, levantando o tronco do chão, agarrou minha perna. Sem antes pensar, apontei a metralhadora para a criatura e pressionei o gatilho. Não consegui segurar firmemente a arma, e a parte de trás dela me atingiu repetidamente as costelas. Ainda assim, a rajada de tiros que atingiu o peito e a cabeça da criatura foi suficiente para fazê-la tombar definitivamente.

Foi só então que reparei que o quinto alienígena, aquele com a arma estranha, observara todo o ocorrido. Ele estava de pé sobre a rampa de acesso à nave e, por mais estranho que fosse, ele estava sorrindo. A criatura disse alguma coisa e, antes que eu pudesse me mexer, levantou sua arma e a disparou contra mim. A última coisa que lembro foi sentir um forte impacto, como se tivesse sido atingido por um caminhão.

Acordei não sei quanto tempo depois, com o som de sirenes se aproximando. Levantei assustado, ao lembrar do que havia ocorrindo na noite passada. Entretando, o sol que já estava nascendo iluminava apenas alguns terrenos vazios a minha volta. Não havia corpos, não havia espaçonave, não havia pickups. Tudo parecia normal, e por um momento cheguei a acreditar que tudo não passara de um sonho.

Avistei, porém, em frente a uma casa próxima, um grande aglomerado de pessoas conversando em voz alta. Lá, estavam os carros de polícia cujas sirenes haviam me acordado. Caminhei até lá e, a fim de dar uma olhada mais de perto, fui abrindo caminho entre os curiosos. Avancei até encontrar uma daquelas fitas amarelas da polícia, onde parei e levantei os olhos. Um enorme objeto caído do céu havia atingido aquela casa, reduzindo-a a escombros. Era uma das turbinas da nave da noite anterior, e eu a reconheci de imediato. Minhas pernas ficaram bambas, minha cabeça tonta, e eu desmaiei.

Autor: André Rath Rohr - estudante de Engenharia der Produção (UFRGS)

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