sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sobre meus amores

Sempre os amei, sempre. Desde o dia no qual mamãe disse que eu teria uma irmãzinha, a amei, aguardei ansiosamente os meses de gestação de mamãe até que a maninha nascesse. Era linda, um lindo bebê e, desde o momento em que a vi nos braços de mamãe, tive a certeza de que ela seria para sempre minha, que me amaria tanto quanto eu a amava e que faria tudo por mim, assim como eu faria tudo por ela.

E assim foi - pelo menos era o que eu achava! Eu a protegia na escola, nenhum colega ousava debochar dela ou magoá-la, em casa a mesma coisa, nem mamãe nem papai a castigavam, eu sempre a defendia, achava outra explicação, e quando necessário, assumia a culpa por ela, afinal a amava e quando eu precisasse dela, ela estaria lá.

O tempo passou, mas nunca ficamos muito longe. Do meu casamento ela foi madrinha e quando Maria Francisca nasceu, retribuiu me convidando para ser madrinha de batismo da pequena Chica, que nos trouxe vida, alegrou a todos nós, pois, após tantos anos tentando engravidar, fazendo tratamentos, gastando o que podíamos e o que não podíamos, nunca consegui ter um bebê até minha sobrinha nascer. Ela também era minha. Cuidava dela à noite, quando tinha cólica, quando ficava doente... Quando queria qualquer coisa, eu ia correndo comprar. Antônio, meu marido, também a amava e cuidava dela melhor do que o próprio José (ex-marido da mana). Como nunca desconfiei?

Tínhamos uma empresa e eu sempre cuidei de tudo, mas há alguns meses as coisas começaram a ir mal, muito mal, contraímos dívidas e, para pagá-las, fizemos empréstimos, os quais nos acarretaram mais dívidas. Cada vez que tentávamos nos reerguer, mais afundávamos. Comecei a emagrecer drasticamente, eu não conseguia nem sequer pensar em baixar o padrão de vida que me esforcei durante tanto tempo para conquistar. Como diria não à pequena Chica? Como explicaria a minha irmã que teríamos que nos desfazer dos imóveis? Como?

Naquele momento, achei que o pior já havia acontecido, até que descobri que eles queriam me internar numa clínica. Mana e Antonio alegaram que eu estava muito estressada e esta seria a única solução no momento. Logo eles, a quem dediquei toda a minha vida, me traindo, me machucando me fazendo sofrer daquele jeito. E eu achei que era o máximo a que poderiam chegar, mas não!

Depois que a mana saiu, a discussão continuou com meu marido até que ele disse o que eu nunca poderia imaginar, nem no meu pior pesadelo. Disse-me que havia alguns anos, quando viajei a negócios, ele – o homem que eu mais amava, iniciou um caso com a minha irmã – a pessoa que mais amei e a quem me dediquei — e fruto desse caso nasceu minha sobrinha. Não, não foi uma transa, ou duas, foi um caso de um ano que só terminou com o nascimento da Chica.

Ele contou tudo. Narrou detalhes que eu não precisava ouvir, no entanto, ouvi calada. E calada permaneci até que ele também se calasse, até que ele deitasse na cama, até que ele adormecesse.

Fui à cozinha, peguei a faca que julguei mais perfeita para o que eu pretendia, caminhei até o quarto e dei uma facada em seu pescoço, mas ele continuou a respirar. Peguei meu travesseiro e coloquei em seu rosto até que ele não movesse mais nenhum músculo, até que tivesse certeza de que ele nunca mais me magoaria, que jamais me faria sofrer daquele jeito.

Lavei e guardei a faca, voltei ao quarto e me sentei na poltrona, de onde podia ver seu corpo e seu rosto, rosto que tantas vezes beijei, corpo que tantas vezes amei. Como pôde me trair? Logo eu, que tanto o amava? Logo com quem eu mais amava, minha irmã, que tantas vezes defendi e sempre protegi? Eu não podia deixar assim, não podia!

Dormi no quarto de hóspedes. Levantei-me no horário habitual, coloquei a faca na bolsa e fui à empresa. Quando perguntaram por ele, disse que viajara para tentar vender um apartamento. Ninguém estranhou. Por que estranhariam?

Trabalhei normalmente, peguei Chica na escola e jantamos em sua lancheria preferida. Depois fomos para o apartamento de minha irmã, dormiria lá para não dormir sozinha, aliás, como sempre fazia quando meu marido viajava. Claro que eu iria me proteger, claro que eu iria cuidar para que a minha irmã não me traísse, não me magoasse, para que ela nunca mais me fizesse sofrer, para não doer mais, nunca mais. Abri a bolsa quando elas adormeceram e fui até a mana, mas ela acordou na primeira facada de raspão e gritou para Chica pedir socorro. Sei que me perguntarão por que matar uma inocente criança, acreditem, eu a amava mais que qualquer um, mas se a deixasse viva, deixaria a prova dos anos de traição, de ter sido feita de idiota, de ter me esforçado tanto, protegido tanto, cuidado e amado tanto pessoas que nem por um segundo pensaram em mim, na minha dor.

Após ter dado algumas facadas na mana, fui até a porta onde estava Chica prestes a gritar e esfaqueei a minha pequena. Na primeira facada, senti tanta dor que quase desisti, mas era preciso continuar, a mana tinha que sofrer tanto quanto eu estava sofrendo. Além da dor física, a dor de ver a filha que ela gerou sendo morta pelas minhas mãos. Quando Chica parou de respirar voltei até a mana e terminei de esfaqueá-la, uma facada em mim, outra nela, uma em mim outra nela...

Sabem o que é mais estranho? Ainda não parou de doer.

Autora: Loiva Costa Santos - estudante de Letras (UFRGS)

Um comentário:

  1. Oi preciso do e-mail da Loiva!!
    Meu nome é agueda
    e-mail: agueda.eu@bol.com.br

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